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La Casa de Papel deveria ser tema para aulas de ética

Série campeã da Netflix coloca em cheque questões morais e éticas, além do conflito do bem contra o mal

28/05/2022 às 06h30 | Atualizado: 28/05/2022 às 11h22 | By: Da Redação

Embora esteja no ar desde o final de 2017, na Netflix, La Casa de Papel continua sendo uma das principais séries à disposição dos usuários da plataforma de streaming. Sucesso de público, é uma das mais vistas em todo o mundo. Ainda em dezembro do ano passado, quando foi lançada a segunda parte da quinta e última temporada, a Netflix anunciou que foram batidos os seus próprios recordes. Com a série toda ambientada na Espanha, a última temporada foi assistida, em dezembro, por mais de 69 milhões de assinantes, enquanto a quarta temporada havia alcançado 65 milhões.

Estima-se que em todo o Mundo, a Netflix possua aproximadamente 190 milhões de contas e quase meio bilhão de usuários. De acordo com o CEO da empresa, Reed Hastings, pelo menos 95% do público tem interesse por séries que não sejam inglesas ou americanas; e destes, um contingente considerável assistiu ou ainda está assistindo à quinta temporada, marcando liderança de audiência na plataforma, em quase 100 países, chegando a 189 milhões de horas vistas em meados de dezembro do ano passado. A segunda colocada, no mundo, a trama colombiana La Reina del Flow (A Rainha do Ritmo), registrou 59,46 milhões de horas assistidas. Só para se ter uma ideia do que são esses números, uma das séries mais comemoradas de todos os tempos, The Game of Thrones, da HBO, alcançou em sua última temporada, em 2019/2020, aproximadamente 44,2 milhões de espectadores, em audiência bruta.

Não era por menos que houvesse todo esse sucesso. A trama de La Casa de Papel é eletrizante, do início ao fim. Além disso, deveria ser usada como tema em aulas de ética, filosofia e outras matérias. Não se trata apenas de uma série policial (ou de bandidos). É um constante exercício de análise dos contextos sociais, políticos e econômicos; do uso das massas, da manipulação da opinião pública e das movimentações políticas, em um micro universo. Não deixa de ser uma crítica social, pontuada por diversas ironias, assim como era irônico e debochado o pintor espanhol Salvador Dali, um dos mais expressivos pintores surrealistas de todos os tempos, cuja fisionomia é “estampada” nas máscaras usadas pelos assaltantes e que ganhou o mundo em manifestações contra o estabilishment. No Brasil e em outros países, a figura ficou conhecida como Anonimus.

Quem ainda não assistiu, vale à pena. Quem já viu pode até repetir, especialmente a partir da terceira temporada, quando as tensões se tornam ainda mais latentes e os conflitos éticos, sociais e políticos mais evidentes. Há várias nuances, com novos personagens, em relação às duas primeiras temporadas e outros que ganham notoriedade com o decorrer dos capítulos. Enquanto na primeira e segunda temporadas a série gira em torno do roubo à Casa da Moeda da Espanha, nas três seguintes o roubo é praticado contra o Banco Real da Espanha.

Se o plano de assaltar a Casa da Moeda (crime que dá título à série) é audacioso, o assalto à reserva de ouro se torna ainda mais. É também muito mais violento. Enquanto no primeiro assalto morrem ladrões, como Moscou (Agustín Ramos), pai de Denver (Jaime Lorente) e Berlim (Pedro Alonso), a partir da terceira temporada as mortes vão se enfileirando: ladrões, reféns, policiais, integrantes do Exército – e das Forças Especiais que invadem o Banco Real da Espanha, são vítimas fatais, na sequência mais violenta. Interessante que Berlim, aparentemente um desequilibrado, nas duas primeiras temporadas e que morre ao final da segunda, ressurge com importância vital para o fio condutor de toda a trama, a partir da terceira temporada, na qual a alternância de ações no presente com flash backs, vai amarrando várias pontas deixadas soltas nas temporadas anteriores.

Sem querer dar spoiler, fica a dica para quem for assistir, observar com atenção as relações de alguns trios que se formam ao longo da terceira temporada, muitos deles com a presença do Professor, ou Sérgio Marquina, também chamado Salvador “Salva” Martin, personagem de Álvaro Morte. Ele é o centro (e o cérebro) de quase tudo. São trios como o do Professor, a detetive Raquel Murillo e a personagem Alicia Sierra (Najwa Nimri); Professor, Benjamin (Ramon Aguirre) e Marsella (Luka Peros); Ángel (Fernando Soto), Raquel Murillo e o Professor; Berlim, Rafael de Fonollosa (Patrick Criado) e Tatiana (Diana Gómez); Professor, Alicia Sierra e Tamayo (Fernando Cayo); Professor, Berlim e Palermo ou Martín Berrote (Rodrigo De la Serna); Arturo (Enrique Arce), Mónica Gaztambide ou Estolcomo (Esther Acebo) e Denver; Santiago Lopez ou Bogotá (Hovik Keuchkerian), Gandia (José Manuel Poga) e Nairobi (Alba Flores); Nairobi, Palermo e Helsinki (Mirko Dragic), dentre outros.

São diversas tríades criadas no curso da trama, que tornam as relações mais tensas e a história atraente. Destaque especial para Tóquio (Úrsula Corberó). Ela narra toda a saga, desde a primeira temporada, até o último capítulo. Não apenas isso: por ter sido a primeira a ser recrutada para o assalto à Casa da Moeda, estabelece uma relação especial com o Professor e em alguns momentos assume a liderança do Grupo. Sua entrega fica inequívoca em um dos momentos cruciais e definitivos: o embate com as forças especiais, quando as esperanças dos ladrões em sair vivos do Banco da Espanha estão se esgotando.

A partir da terceira temporada, além de crescer a importância de Berlim, por sua relação com o próprio Professor, surgem outras personagens que colocam conceitos éticos e morais em cheque. Não se surpreenda se você se pegar torcendo pelos ladrões, se odiar as forças policiais, se questionar as decisões de personagens que representam as chamadas autoridades constituídas e se comemorar espontaneamente uma virada inesperada. A série foi feita para isso, para mexer com as emoções e colocar em discussão os seus conceitos pessoais.

Interessante que nas cinco temporadas, apenas o detetive Ángel passe praticamente incólume – apesar de sua traição à esposa e o hábito de beber em excesso, ante paixões, desejos, dúvidas morais e o senso ético. Apesar de apaixonado por Raquel Murillo (Itziar Ituño), a detetive que muda de lado, ele é o sujeito mais sensato em toda a trama e talvez por isso, um dos menos interessantes - ou atraentes. Ángel é aquele que a todo momento tenta lembrar aos demais sobre questões morais básicas, o que não adianta de praticamente nada.

Por simples diversão, como análise ou experimento sobre questões éticas, morais e diversos conceitos, La Casa de Papel merece ser vista. No fim, ficarão mistérios ou segredos não revelados, que serão discutidos por muito tempo. E isso a torna ainda mais interessante.

Bom divertimento!

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